A navegabilidade é o ofício das mãos, embarcamos em ti,
germinas
e o mel progride pelas sombras do quarto, a roupa nua,
o fogo circular que principia nas nucas –
argila, brisa, pálpebras que soluçam, cortam a neblina, gastam a angústia até ao último centavo,
a frescura dos lenços, o aroma dos pássaros vermelhos,
os pátios e as algas que nos pedem auxílio desde a areia,
vê:
acenam-nos desesperadamente com refúgios.
Corremos pela praia com a nossa nudez porque deixamos algures
os mantimentos escassos de que a nossa tristeza se mantém.
Corremos pela praia e as mãos deslizam para um cobertor lavado
pelo mar, o oiro magnífico, a distância mais curta entre dois pontos.
É noite, e corremos porque o tacto é uma promessa, casam-se os búzios,
conchas azuis habitam o olhar, barcos, homens que bebem a água como se fosse terra,
pequeninas sementes, dissimulam a sede a que deus nos condena.
A respiração avança através de um gladíolo, as mãos encrespam-se de silêncio,
minerais dolorosos asfixiam a noite, riscam como se fossem fósforos as sardas do teu rosto.
Vens com os dentes branquíssimos, o peito aberto aos ninhos,
barco que balouça na névoa, é tecto, casa, cama.
Dar-te-ia a cereja do bolo, a serenidade do mar, uma praia de colmo,
se os dias não fossem transitivos e os objectos íntimos, ó ave, insuportáveis.
Setembro principia com cúmulos no céu, jogos de água,
o inquietante desenho de uma víbora projectado no chão.
Respondes com perguntas às perguntas que faço, reacendes a sede, fumas nervosamente.
A esperança é um ídolo, somos imolados, a espessura do sangue acaba por dizer-nos que é demasiado.
Que cães estabelecem contra nós a aliança feroz que nos persegue?
Que estrela risca os limites possíveis dos nossos pés precários?
Que cortejo é este?
Ainda que a preservação seja um estímulo, e chova, confessamos ou não que temos medo?
As Passagens Secretas. Fragmentos
Amadeu Baptista
Fotografia de Darren Holmes