17/09/2008

AS PASSAGENS SECRETAS


A navegabilidade é o ofício das mãos, embarcamos em ti,
germinas
e o mel progride pelas sombras do quarto, a roupa nua,
o fogo circular que principia nas nucas –

argila, brisa, pálpebras que soluçam, cortam a neblina, gastam a angústia até ao último centavo,
a frescura dos lenços, o aroma dos pássaros vermelhos,
os pátios e as algas que nos pedem auxílio desde a areia,

vê:

acenam-nos desesperadamente com refúgios.

Corremos pela praia com a nossa nudez porque deixamos algures
os mantimentos escassos de que a nossa tristeza se mantém.

Corremos pela praia e as mãos deslizam para um cobertor lavado
pelo mar, o oiro magnífico, a distância mais curta entre dois pontos.

É noite, e corremos porque o tacto é uma promessa, casam-se os búzios,
conchas azuis habitam o olhar, barcos, homens que bebem a água como se fosse terra,
pequeninas sementes, dissimulam a sede a que deus nos condena.

A respiração avança através de um gladíolo, as mãos encrespam-se de silêncio,
minerais dolorosos asfixiam a noite, riscam como se fossem fósforos as sardas do teu rosto.

Vens com os dentes branquíssimos, o peito aberto aos ninhos,
barco que balouça na névoa, é tecto, casa, cama.

Dar-te-ia a cereja do bolo, a serenidade do mar, uma praia de colmo,
se os dias não fossem transitivos e os objectos íntimos, ó ave, insuportáveis.

Setembro principia com cúmulos no céu, jogos de água,
o inquietante desenho de uma víbora projectado no chão.

Respondes com perguntas às perguntas que faço, reacendes a sede, fumas nervosamente.
A esperança é um ídolo, somos imolados, a espessura do sangue acaba por dizer-nos que é demasiado.

Que cães estabelecem contra nós a aliança feroz que nos persegue?
Que estrela risca os limites possíveis dos nossos pés precários?
Que cortejo é este?

Ainda que a preservação seja um estímulo, e chova, confessamos ou não que temos medo?

As Passagens Secretas. Fragmentos
Amadeu Baptista
Fotografia de Darren Holmes

6 comentários:

  1. Gosto desta tua janela (ou casa)
    Gosto das cores
    Hoje preciso de ler palavras bonitas e de ver o belo.

    Deixo-te um beijo
    enorme

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  2. puxa.............:)))))


    até tenho medo de escrever aqui!!!!!



    oh talentosa....Mie Muito Mie.



    abraçooooooooooooo....TE!!!!

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  3. Obrigada pela partilha... gostei e nao conhecia
    .
    .
    .
    estamos em sintonia de mudança

    bjo doce

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  4. É excelente reencontrar-te aqui neste novo espaço que promete ser muito interessante.

    É um magnífico e renovado regresso! Ainda bem que é Setembro e tudo (re)começa... :)

    Um bj e a minha admiração

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  5. Não precisamos de confessar nada.
    Basta que sejamos coerentes.

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  6. Todo o chão é demasiado

    para ser apenas pisado

    só por medo

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